domingo, 23 de novembro de 2008

A filosofia da boa alimentação na escola pitagórica

Um texto sobre a alimentação e o pensamento filosófico de Pitágoras, abraços,
Jorge Leão


A filosofia da boa alimentação na escola pitagórica

Em sua peregrinação terrestre, os seres humanos encontram-se diante do fato do sofrimento, da dor e da morte. Sabemos que problemas são inevitáveis, mas o princípio de tudo está na consciência da unidade cósmica com a Natureza.

Este é o cerne do pensamento integral proposto por Pitágoras, na fundação de sua escola, no século VI a.C. Para ele, o processo de auto-cura acontece por meio do retorno ao estado primordial de equilíbrio com as forças naturais. Para isso, é necessário realizar inicialmente atividades simples. Aprender a respirar, cultivar uma alimentação saudável e meditação diariamente. Essas ações constituem movimento integrativo com o Cosmos, por isso, segundo Pitágoras, antes de estudar coisas mais complexas, será necessário que os aprendentes da sabedoria (que, mais tarde, seriam conhecidos como "filósofos") realizem em si mesmos o ponto de equilíbrio entre corpo, mente e espírito.

Assim, pensar e alimentar-se é algo único, uma vez que o corpo, a mente e o espírito constituem um todo orgânico. A saúde é algo que envolve as três dimensões, não sendo possível pensá-la de forma justaposta, ou dualista, como se a cada hora do dia fosse reservada uma ocupação dissociada das outras.

Na escola pitagórica todos os ensinamentos devem constituir-se em um conjunto integrado de conhecimentos, ainda que, no início, seja difícil aceitar a idéia de que devamos mudar hábitos arraigados ao longo de anos e anos de desequilíbrio, maus hábitos, vícios e doenças.A prática da meditação compreende, com isso, mais um elemento fundamental para o bom cultivo dos alimentos e do pensamento.

Somente depois dessa compreensão, os discípulos estariam aptos a ingressar num segundo estágio, que corresponderia ao conhecimento intelectual da matemática e da música. Quando aprendemos a cultivar o corpo, como morada da sabedoria divina, torna-se mais assimilável o conteúdo de idéias que exigem grande poder de concentração e capacidade de abstração. Sem o cuidado inicial do corpo, jamais será possível mergulhar verdadeiramente na unidade da sabedoria.

Pitágoras pensou um lugar que fosse possível cultivar a terra. Para isso, a água fluindo era um elemento fundamental. No terreno onde foi construída sua escola havia um rio, para que todos pudessem banhar e beber da água corrente. A saúde, na escola pitagórica, começava nas primeiras horas do dia, antes mesmo do sol despontar no horizonte. A horta deveria ser cuidada por todas, pois eles comiam o que plantavam. A sua alimentação era à base de hortaliças, frutas e cereais.

Depois de três anos de iniciação, seguindo uma disciplina cotidiana, os discípulos responderiam se era de sua vontade permanecer e tornar-se um "pitagórico", ou regressar ao mundo de onde viera. Caso a resposta fosse positiva, o caminho da sabedoria seria aberto, para nunca mais ser abandonado. Agora, o terceiro passo estava iniciado, quando os estudos filosóficos começariam a ser ministrados.

A experiência iluminada de Pitágoras inspirou muitos mosteiros ao longo da história. A combinação perfeita entre alimentação, respiração e meditação corresponde ao ponto de equilíbrio de práticas milenares da Yoga. Não é por acaso que o próprio Platão será influenciado por muitas idéias cultivadas na escola pitagórica, levando ao Ocidente concepções da sabedoria milenar dos povos orientais, e permitindo aos amantes da sabedoria uma cosmovisão mais profunda e holística.

Por isso, pode-se reafirmar que a sabedoria é um caminho de aprendizado que visa o homem em sua totalidade. Toda a realização humana neste planeta depende desta cosmovisão.

Jorge Leão
Professor de Filosofia do CEFET-MA e membro do Movimento Familiar Cristão, em São Luís - MA.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

O Amor é Cego?

Caros amigos da filosofia e da arte, mais um comentário sobre uma outra obra fantástica de Charles Chaplin, "Luzes da Cidade", do ano de 1931. Belo filme, apresentando o amor por um ângulo de pureza e simplicidade, obra rara de ser apreciada hoje em dia. Abraços quixotescos, Jorge Leão...
O Amor é cego?

O filme “Luzes da Cidade” (1931), escrito e dirigido por Charles Chaplin, apresenta a temática do amor sob o prisma da vida de um Vagabundo, que, espontaneamente, encanta-se por uma vendedora de flores, que é cega, interpretada pela atriz Virginia Cherril.

A sátira aos convencionalismos sociais, tão típica na obra de Chaplin, é uma constante no filme. Logo na primeira cena, um monumento em praça pública é inaugurado, para exaltar a Paz e a Prosperidade. Todavia, a fala dos burocratas é confusa, de compreensão impossível. Ao aparecer as imagens das grandes estátuas, surge, para espanto de todos, o Vagabundo, dormindo no alto. A cena segue em ritmo de comédia e com protestos de todos, devido ao jeito irresponsável com que o Vagabundo ironiza o monumento.

Depois de ser ridicularizado pelos garotos que vendem jornal e se deparar com uma estátua de um corpo feminino nu, o Vagabundo sai de mansinho, quando vê que sai do subsolo um homenzarrão. Em seguida, o filme encaminha uma de suas cenas mais belas. O encontro entre o Vagabundo e a jovem vendedora de flores é marcante. Inicialmente, ele não sabe que ela é cega, só percebendo mais tarde, quando ela pergunta se ele tinha recolhido a flor caída no chão. Ao colocar a flor no bolso de seu paletó, ela pensa que ele é um homem rico que entra no carro e sai. Ao perceber o engano, o Vagabundo sai cautelosamente...

O outro encontro interessante no filme é entre o Vagabundo e um homem rico, embriagado, que, desiludido do casamento terminado, tenta se matar várias, sendo impedido pelo personagem de Chaplin. Sua palavra é enfática, para impedir o suicídio do bêbado: “Amanhã, os pássaros cantarão”, e ainda: “Seja corajoso, enfrente a vida!”. Eles vão para a casa do homem desiludido. Lá, o mordomo comunica que as bagagens de sua patroa foram levadas. Mais uma vez, o homem começa a beber e oferece álcool ao Vagabundo, os dois então se embebedam, numa cena muito engraçada. Eles saem para uma festa, para esquecer a triste desilusão...

Cedo pela manhã, voltam para casa. O homem rico diz para o Vagabundo que ele pode ficar com o seu carro. Entretanto, o mordomo não permite sua entrada na mansão. A menina cega passa com suas flores, e o homem rico solicita a presença do amigo em sua casa. “Compremos algumas flores”, sugere o Vagabundo ao amigo desiludido. Ao entregá-las ao mordomo, o Vagabundo sai com a menina cega para um passeio de carro, levando-a até sua casa. Ele beija a mão da menina e pergunta se pode visitá-la outras vezes. Ela diz que sim. Ao entrar em casa, a menina sente que está apaixonada.

Ao despertar, o homem rico acorda sóbrio, e estranha as flores em seu colo. Ele não quer ver ninguém. O Vagabundo entra, mas logo é expulso de casa pelo mordomo. Ele sai no carro e rouba o charuto de um transeunte. Voltando, o seu amigo não o reconhece mais; ele fica só com o seu charuto, andando solitário pelas ruas...

Na mesma tarde, o Vagabundo encontra-se novamente com o homem rico, que, outra vez bêbado, o chama de amigo, dizendo que vai dar uma festa em sua homenagem. No outro dia, depois de muita festa na mansão, o Vagabundo está deitado junto com o homem rico em sua cama. Este pergunta a seu mordomo quem é aquele indivíduo, e manda tirá-lo de sua casa. O Vagabundo quer, pelo menos, um pão para comer, mas é expulso...

Na rua, o Vagabundo não encontra a menina vendendo flores. Resolve ir a casa dela. Ela está com febre. Ele se entristece, e resolve trabalhar como limpador de ruas, para ajudá-la. O aluguel da casa está atrasado, a menina e sua avó recebem ordem de despejo. O Vagabundo descobre no jornal que há um médico que realiza uma cirurgia para curar a visão. Ao pegar um livro para ler à sua amada, o Vagabundo encontra a carta de despejo. Resolve então ajudar a pagar toda a dívida. Porém, é despedido de seu emprego. Tenta a vida como lutador, mas perde a luta. Volta então a perambular pelas ruas...

Lá, encontra o homem rico, bêbado outra vez, que o abraça, e o reconhece como amigo. Chegando a casa, o Vagabundo consegue a quantia necessária, ao pedi-la ao homem rico. Contudo, a casa está sendo assaltada. A polícia é chamada, os ladrões fogem. O Vagabundo, por sua aparência, é confundido com um ladrão. Ele ainda tenta convencer o policial que não foi ele quem roubou o dono da casa, mas não tem êxito e foge apressadamente.

Ao chegar à casa da menina, entrega-lhe o dinheiro, para pagar o aluguel e realizar a cirurgia. Ela se emociona com o gesto de nobreza do Vagabundo. “Como poderei agradecer-lhe?”. Ele apenas beija a mão da menina e vai embora. Ela senta e chora. Depois, o Vagabundo é reconhecido pela polícia e levado preso. Parece que sua sorte é mesmo amarga...

Quando chega o Outono, a menina está curada e tem agora a sua própria loja de flores, junto com a sua avó. O Vagabundo é solto, mas as suas roupas estão velhas. Ele é maltratado pelos garotos que vendem jornal na rua. Uma flor no chão é observada por ele. A esperança parece renascer. A loja de flores está em sua frente. Ele reconhece a dona da loja, é o seu amor...

Ele sorri para ela, que lhe oferece uma flor e uma moeda. Apenas a flor é aceita. A moeda é levada à mão do Vagabundo. Ela reconhece aquela mão. Os olhos do coração dela se abrem, reconhecendo que o seu amor voltou e está em sua frente. Ele pergunta se ela pode enxergar. “Sim, agora eu posso ver”. O amor dela vai além dos olhos físicos. O Vagabundo sorri para ela com a flor e as mãos dadas às da sua amada. O filme termina com uma pureza e beleza incomensuráveis.

O Vagabundo de Chaplin nos conduz à visão que desanuvia a miopia de nosso egoísmo e a estreiteza de nossa vaidade. O seu guia é o amor, desinteressado e incondicional. O mesmo amor, que enxerga longe e profundo, mesmo na escuridão de nossas tormentas. A nossa visão é, então, restituída. A visão do espírito. O amor não é cego, nós é que às vezes fechamos os olhos a ele.

Jorge Leão
Professor de Filosofia do CEFET-MA e membro do Movimento Familiar Cristão, em São Luís – MA.