domingo, 20 de maio de 2012

Nascidos em Bordeis (EUA, 2005)

Filme documentário, vencedor do Oscar em 2005, capta de modo direto e emocionante a história de crianças em uma situação extremada de abandono e exclusão.

Com a direção de Ross Kauffman, a fotógrafa Zana Briski passa a estabelecer de modo corajoso e tocante uma relação de profunda esperança com aquelas crianças.

No cenário dos bordeis, no bairro da Luz Vermelha, na periferia da cidade de Calcutá, na India, a diretora Zana Briski (tia Zana, como ficou conhecida entre as crianças) leva àquela situação terrível uma luz no fim do túnel, dando um curso de fotografia e fornecendo-lhes máquinas fotográficas para que elas registrem o seu olhar sobre o mundo que as cerca.

O resultado é uma exposição das fotos em Nova York, onde ela consegue divulgar a experiência e arrecadar fundos para tentar tirar as crianças da situação calamitosa em que se encontravam, dando-lhes oportunidade de estudar em um internato, em Calcutá, e também de participarem de uma exposição de seus trabalhos em uma grande livraria desta cidade.

A extrema sensibilidade de Zana Briski nos faz pensar sobre que valores sustentam o poder de um sistema fadado à pobreza e a consequente quebra dos sonhos no olhar de um ser humano que ainda está começando a despertar para a nua e crua realidade da vida. A saída dos muros dos bordeis para uma visita a um zoológico e depois à praia são dois momentos emocionantes do filme.

Pude trabalhar este filme com a turma 301, de Design de Produto, e estabelecer um debate com um texto lido sobre ética, em que destacamos alguns pontos, tais como: que conceito de valores nos passa a situação daquelas crianças? Como o ser de cuidado e afetos é considerado na apresentação do argumento do filme? Em que podemos relacionar a experiência relatada no filme com uma ética da responsabilidade solidária?

Percebi o quanto o filme ajudou-nos a pensar mais profundamente tais questionamentos...

Abraços,

Até uma próxima aula..

Jorge Leão

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Poema a Gonçalves Dias


Vibrante, és fecundo nos dias.
Cantando ao nativo as memórias...
Das noites o que mais tu serias,
senão o clamor nas histórias...

No poema, sobre o lamento e a dor...
Traduziste a canção do Piaga.
Deste solo pisado em furor
Por quem nestas matas indaga...

Teus passos nas ruas sentindo...
Acordo, neste solo, gemendo.
Ouvindo o teu canto sumindo,
Diante do ódio crescendo...

Revejo, porém, tua face
aos desejos inglórios da vida...
Recanto à criança que nasce,
Teu poema nesta terra ferida...

Por que, ao dizer do senhor...
O cenário é de morte e de cruz.
Por tal irascível clamor,
Volta o sangue, o martírio, em Jesus...

O pão sepultado em sementes,
agora escondido do vil Anhangá,
que chega provendo as torrentes
num desterro da tribo a clamar...

Inimigo das matas em trevas,
chega o tempo da anulação...
Deste povo, feito réu de suas ervas,
que outrora fecundavam este chão...

Foste, contudo, a voz, o percurso...
Entre viagens e dores sem par.
Teu povo nativo em concurso,
sem ver a própria ruína a chegar...

Tua pena, teu amor tão incerto.
Desbotando a recusa sem preço,
a manter a lembrança por perto,
como quem reza as contas de um terço.
Na praça, tuas cartas amadas
no silêncio vencido por dote.
Histórias inteiras contadas
como segredo no fundo de um pote.

Dias e noites, a lua cantada.
Tribos letárgicas ao passo de alerta:
é o espectro dissecando a cilada
do invasor nesta terra in-coberta...

Ao teu canto, o Piaga concede
a lembrança de um tempo em desterro...
Aviltando a terra que mede
a distância dilatando este erro.
Dias e noites, revejo o exílio
da sina de um povo insultado.
Hoje, a buscar ainda o seu brilho
no poeta, por seu canto lembrado...

Cantando a saudade além mar.
Em Coimbra, robustos segredos...
Trazidos à pena, ao deitar
em teus cantos, o assombro dos medos...

Em terras distantes, pesadas lembranças.
Dos primores, as palmeiras, o vento...
Agora, vejo-te imóvel, diante das danças,
que refazem em tuas mãos aquele momento.

Poeta nativo das várzeas floridas.
Emerge à lembrança um triste sinal:
emaranhado de lembranças perdidas,
por este retorno à terra natal...


Jorge Leão
16 de maio de 2012.





segunda-feira, 14 de maio de 2012

Cidade passante...
Tão leve a condução das horas
na agonia do esquecimento...
Tão breve a perdição das moiras
nas ondas do mar adentro.

Tão perto o ribeirão das hortas
no desvio do corpo ao vento...
que anseia a chegar às portas
do céu sem esquecimento.

Tão perto a cidade ecoa
a memória dos segredos idos.
No esconderijo da pedra à toa
pelas calçadas destes becos sidos...

A lembrança da porta e janela
neste sobrado de meia morada.
Resplandece no altar sem vela,
corroendo o corrimão da escada.

Tão sãs as palavras dadas
nos tempos do Liceu imortal.
Agora, como dunas ilhadas,
vejo-te perdida na avenida central.

Tão verde os mastros da bandeira,
Arrancados os paus da mata em mangue.
Dos rios poluídos pela sujeira
Da química a secar teu sangue...

Ressoa em ti os delírios do passado.
Lendas e lampejos poéticos na memória.
Acorda com o sino, o corpo conspurcado,
nas ruas e ladeiras de tua história.

Tão leve e tão pesada,
Vejo-te, cidade minha, afundando
com a força de uma serpente entoada
pelos ditames lendários findando.

A cada esquina um dizer em jornal.
Hiato caminho à posteridade...
Fecundo mirante ao beiral,
daqueles que dormem em precariedade.

Trazendo assombrados desejos a lume.
Mesmo com a certeza das perdas.
Acordo aturdido nos telhados sem curtume
Dos bois celebrados sem tendas...

Que possam amparar os buracos do chão,
segredando a miséria da vida.
Ao ver no pedaço de um duro pão
a passagem da memória perdida...

Becos que se esvaem em risos e ecos...
ainda fruto dos passos ao vento.
De nós mesmos, colunas sem tetos,
a despertar de um vil juramento...

De que nesta ilha os amores reluzem
pelas ondas do encantamento.
Vejo-te, porém, sem mãos que traduzem
o teu passado, fecundo rebento...


Jorge Leão
12 de maio de 2012