terça-feira, 4 de novembro de 2008

O Amor é Cego?

Caros amigos da filosofia e da arte, mais um comentário sobre uma outra obra fantástica de Charles Chaplin, "Luzes da Cidade", do ano de 1931. Belo filme, apresentando o amor por um ângulo de pureza e simplicidade, obra rara de ser apreciada hoje em dia. Abraços quixotescos, Jorge Leão...
O Amor é cego?

O filme “Luzes da Cidade” (1931), escrito e dirigido por Charles Chaplin, apresenta a temática do amor sob o prisma da vida de um Vagabundo, que, espontaneamente, encanta-se por uma vendedora de flores, que é cega, interpretada pela atriz Virginia Cherril.

A sátira aos convencionalismos sociais, tão típica na obra de Chaplin, é uma constante no filme. Logo na primeira cena, um monumento em praça pública é inaugurado, para exaltar a Paz e a Prosperidade. Todavia, a fala dos burocratas é confusa, de compreensão impossível. Ao aparecer as imagens das grandes estátuas, surge, para espanto de todos, o Vagabundo, dormindo no alto. A cena segue em ritmo de comédia e com protestos de todos, devido ao jeito irresponsável com que o Vagabundo ironiza o monumento.

Depois de ser ridicularizado pelos garotos que vendem jornal e se deparar com uma estátua de um corpo feminino nu, o Vagabundo sai de mansinho, quando vê que sai do subsolo um homenzarrão. Em seguida, o filme encaminha uma de suas cenas mais belas. O encontro entre o Vagabundo e a jovem vendedora de flores é marcante. Inicialmente, ele não sabe que ela é cega, só percebendo mais tarde, quando ela pergunta se ele tinha recolhido a flor caída no chão. Ao colocar a flor no bolso de seu paletó, ela pensa que ele é um homem rico que entra no carro e sai. Ao perceber o engano, o Vagabundo sai cautelosamente...

O outro encontro interessante no filme é entre o Vagabundo e um homem rico, embriagado, que, desiludido do casamento terminado, tenta se matar várias, sendo impedido pelo personagem de Chaplin. Sua palavra é enfática, para impedir o suicídio do bêbado: “Amanhã, os pássaros cantarão”, e ainda: “Seja corajoso, enfrente a vida!”. Eles vão para a casa do homem desiludido. Lá, o mordomo comunica que as bagagens de sua patroa foram levadas. Mais uma vez, o homem começa a beber e oferece álcool ao Vagabundo, os dois então se embebedam, numa cena muito engraçada. Eles saem para uma festa, para esquecer a triste desilusão...

Cedo pela manhã, voltam para casa. O homem rico diz para o Vagabundo que ele pode ficar com o seu carro. Entretanto, o mordomo não permite sua entrada na mansão. A menina cega passa com suas flores, e o homem rico solicita a presença do amigo em sua casa. “Compremos algumas flores”, sugere o Vagabundo ao amigo desiludido. Ao entregá-las ao mordomo, o Vagabundo sai com a menina cega para um passeio de carro, levando-a até sua casa. Ele beija a mão da menina e pergunta se pode visitá-la outras vezes. Ela diz que sim. Ao entrar em casa, a menina sente que está apaixonada.

Ao despertar, o homem rico acorda sóbrio, e estranha as flores em seu colo. Ele não quer ver ninguém. O Vagabundo entra, mas logo é expulso de casa pelo mordomo. Ele sai no carro e rouba o charuto de um transeunte. Voltando, o seu amigo não o reconhece mais; ele fica só com o seu charuto, andando solitário pelas ruas...

Na mesma tarde, o Vagabundo encontra-se novamente com o homem rico, que, outra vez bêbado, o chama de amigo, dizendo que vai dar uma festa em sua homenagem. No outro dia, depois de muita festa na mansão, o Vagabundo está deitado junto com o homem rico em sua cama. Este pergunta a seu mordomo quem é aquele indivíduo, e manda tirá-lo de sua casa. O Vagabundo quer, pelo menos, um pão para comer, mas é expulso...

Na rua, o Vagabundo não encontra a menina vendendo flores. Resolve ir a casa dela. Ela está com febre. Ele se entristece, e resolve trabalhar como limpador de ruas, para ajudá-la. O aluguel da casa está atrasado, a menina e sua avó recebem ordem de despejo. O Vagabundo descobre no jornal que há um médico que realiza uma cirurgia para curar a visão. Ao pegar um livro para ler à sua amada, o Vagabundo encontra a carta de despejo. Resolve então ajudar a pagar toda a dívida. Porém, é despedido de seu emprego. Tenta a vida como lutador, mas perde a luta. Volta então a perambular pelas ruas...

Lá, encontra o homem rico, bêbado outra vez, que o abraça, e o reconhece como amigo. Chegando a casa, o Vagabundo consegue a quantia necessária, ao pedi-la ao homem rico. Contudo, a casa está sendo assaltada. A polícia é chamada, os ladrões fogem. O Vagabundo, por sua aparência, é confundido com um ladrão. Ele ainda tenta convencer o policial que não foi ele quem roubou o dono da casa, mas não tem êxito e foge apressadamente.

Ao chegar à casa da menina, entrega-lhe o dinheiro, para pagar o aluguel e realizar a cirurgia. Ela se emociona com o gesto de nobreza do Vagabundo. “Como poderei agradecer-lhe?”. Ele apenas beija a mão da menina e vai embora. Ela senta e chora. Depois, o Vagabundo é reconhecido pela polícia e levado preso. Parece que sua sorte é mesmo amarga...

Quando chega o Outono, a menina está curada e tem agora a sua própria loja de flores, junto com a sua avó. O Vagabundo é solto, mas as suas roupas estão velhas. Ele é maltratado pelos garotos que vendem jornal na rua. Uma flor no chão é observada por ele. A esperança parece renascer. A loja de flores está em sua frente. Ele reconhece a dona da loja, é o seu amor...

Ele sorri para ela, que lhe oferece uma flor e uma moeda. Apenas a flor é aceita. A moeda é levada à mão do Vagabundo. Ela reconhece aquela mão. Os olhos do coração dela se abrem, reconhecendo que o seu amor voltou e está em sua frente. Ele pergunta se ela pode enxergar. “Sim, agora eu posso ver”. O amor dela vai além dos olhos físicos. O Vagabundo sorri para ela com a flor e as mãos dadas às da sua amada. O filme termina com uma pureza e beleza incomensuráveis.

O Vagabundo de Chaplin nos conduz à visão que desanuvia a miopia de nosso egoísmo e a estreiteza de nossa vaidade. O seu guia é o amor, desinteressado e incondicional. O mesmo amor, que enxerga longe e profundo, mesmo na escuridão de nossas tormentas. A nossa visão é, então, restituída. A visão do espírito. O amor não é cego, nós é que às vezes fechamos os olhos a ele.

Jorge Leão
Professor de Filosofia do CEFET-MA e membro do Movimento Familiar Cristão, em São Luís – MA.

3 comentários:

filosofia com arte disse...

Um filme belíssimo, com uma linguagem profunda, uma das obras mais marcantes do conjunto cinematográfico de Charles Chaplin. Abraços quixotescos
Jorge Leão

Diego Renier disse...

Parabens jorge pelo texto....saudades da minha epoca de estudante de ensino medio e do grupo simposium...professor abraços e agora to contente de ter mesmo que por internet contato com ideias renovadas de novo. Sinto minha mente fervilhar de novo. Abraços
de seu aluno diego renier- drcmk1988@hotmail.com

Queiroz, Fernanda disse...

Linto texto Jorge...
Se há amor, qdo mudamos ele ainda se faz presente em nosso interior.
Saudades das quartas-feiras no Cefet...