sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Reconciliado pela janela...


Reconciliado pela janela...
A película "A Janela" (La Ventana), do diretor argentino Carlos Sorín, foi exibido no projeto Cine Filosófico, no último dia 27 de agosto de 2010.
O tema da reconciliação com a imagem da mãe, dentro das imagens arquétipicas do sonho (o protagonista inicia dizendo que "teve um sonho estranho"), da casa, da porta, da face e o duplo plano de luz, contrastando com a penumbra do quarto. Belíssima plástica fotográfica para resgatar a estética da casa reconciliada pelas lembranças que se abrem pela janela do quarto.
Em seguida, o tempo, das profundas campinas do sentimento. Vemos o som dos relógios. Toques diferentes para o mesmo chamado. Um instante apenas, e a vida se foi. Depois de 80 anos, as recordações são parte de um momento único de rever o filho, que é aguardado ansiosamente.
"Não quero receber o Pablo como um doente". Ele se volta para a janela. A paisagem lá fora... tudo refaz no velho escritor um livro ainda a ser escrito, o da sua última caminhada...
Por isso, cada imagem é única. Cada gesto é sutilmente percebido como a memória a renascer das cinzas. "Hoje eu quero passear pela horta para ver como ficou depois da tempestade"...
A visita do médico. Nada a considerar quando é apenas a pressão sangüínea o único motivo da conversa. Antônio desconsidera a tensão fisiológica de seu estado. Ele quer abraçar a vida com o presente de Borges. Ele oferece ao médico um exemplar da "História Universal da Infâmia", do escritor argentino, em primeira edição, com dedicatória do próprio autor. Era o que ele tinha de mais precioso. Quando parece que chega o fim, todas as posses perdem sua validade. Tudo torna-se gratuidade. Como o tempo, que passa a ser algo tão relativo quanto a abelhinha que insiste em sair pela janela, pois encontrava-se sufocada...
Antônio resolve abrir a janela. Sai a abelhinha. Saiu Antônio... Ele daria a sua última volta ao redor de sua casa, a avistar as campinas e sentir o calor do sol. Qual Dom Quixote a desbravar o seu sonho de liberdade, simbolizado quem sabe pelo cavalo avistado ao longe. Avistar o tempo, e fazer xixi sozinho, que bela imagem em contraponto. Pura relatividade...
Finalmente, o cansaço vence o corpo decrépito. Sentar-se e esperar. É o que nos resta. Mas, esperar deitado nas campinas diante do sol, é bem melhor...
Em seguida, duas belas jovens vêm ao seu auxílio, mas parece que o tempo se cumprira. Ele espera então para ser agraciado pela taça de reconciliação com o filho. O brinde da casa revisitada. A reconciliação suficiente. O brinde, agora!
Lá fora, Pablo pega os dois soldadinhos que ficaram anos e anos entre as cordas do velho piano. Marcas da infância. Ele também vai ao encontro de sua janela.
Por fim, Antônio, na cama, pergunta à namorada do filho: "Estão dançando lá embaixo?". A mãe volta, o beija docemente. O sonho, de volta à casa, os olhares, o silêncio, a penumbra...
As lembranças do fim de volta ao instante originário da reconciliação. Uma bela metáfora sobre a vida, o tempo, a música da reconciliação. Estão mesmo dançando lá embaixo, caro Antônio...
Jorge Leão
Professor de Filosofia do IFMA - Campus Monte Castelo
03 de setembro de 2010

2 comentários:

filosofia com arte disse...

Belíssima metáfora sobre o tempo. Assim como em Morangos Silvestres (1957), do diretor sueco Igmar Bergman. O tempo, mais uma vez a nos dizer tanto poeticamente...
Abraços cinéfilos!
Jorge Leão

"O tempo nosso de cada dia" disse...

Vi recentemente este belo filme, pleno de metáforas da existência, tão tênue.
Parabéns pela escolha.
Gostei muito do blog.

Andréia