segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Uma viagem com Kenji Mizoguchi


Uma viagem com Kenji Mizoguchi
O Intendente Sancho (Japão, 1954) é o filme que exibimos no último dia 03 de setembro, no projeto Cine Filosófico. Dirigido pelo diretor Mizoguchi, o filme traz como tema e mote arquetípico a viagem em busca da mãe.
Duas crianças, Sushio e Anju, vivem o drama da separação de suas famílias, primeiro do pai, e em seguida também a violência com são arracandos do convívio com a mãe.
O enredo destaca o papel marcante dos princípios éticos da honra, da misericórdia e da lealdade, como elementos centrais no contexto desta viagem arquetípica. Para o filho é dito pelo pai-governador: "Sem piedade, o homem é como uma besta. Mesmo se você for severo consigo mesmo, seja misericordioso com os outros. Todos os homens são criados da mesma forma. Toda pessoa tem direito a ter felicidade". Palavras que marcam para sempre a lembrança do menino Sushio. Ele recebe como lembrança o amoleto da deusa da misericórdia Kwannon. "Mantenha este princípio em homenagem a minha memória". Tais palavras ecoarão como mandamentos sagrados na história de vida daquela criança, de sua irmã e de sua mãe.
As crianças, como disse a pouco, são tiradas do convívio da mãe de modo cruel, e levadas a um campo de trabalho escravo, controlado pelo Intendente Sancho. Os irmãos crescem, e a maldade parece poder penetrar o coração de Sushio, que marca com ferro em brasa o rosto de um homem velho que tentava escapar do campo. Anju lamenta tristemente o fato...
Ela depois escuta uma jovem cantando um lamento, e reconhece ser o canto saudoso de sua mãe exilada na ilha de Sado. Ao receber a incumbência de abandonar uma senhora doente, Sushio, conhecido na aldeia como Mutsu, lembra-se de uma cena de infância quebrando o galho de uma árvore com sua irmã. Esta recordação é suficiente para Anju perceber que seu irmão é essencialmente uma pessoa boa. Resolvem então fugir. Somente ele escapa. Sua irmã pede que ele salve a sua vida e a vida da senhora doente. Ela, por sua vez, resolve entregar-se às águas do rio, ouvindo a canção de sua mãe.
Sushio chega a um templo budista, indicado pela última conversa que teve com Anju antes de partir, e é recebido pelo monge Taro-samo, que também escapara das garras do Intendente Sancho. A senhora doente é acolhida. O monge, porém, descrente dos propósitos de Sushio em fazer justiça e denunciar o Intendente, diz a ele o seguinte ensinamento: "ao menos que os corações possam ser mudados, o mundo que você sonha não pode ser real. Se você deseja viver honestamente com a sua consciência, é preciso se manter perto de Buda".
Mas, obstinado pelo senso de justiça impregnado em sua alma pelas palavras de seu pai, Sushio parte para denunciar Sancho ao Conselheiro-Chefe, que o nomea governador da província, pois reconhece nele a honra e a fidelidade à memória de seu pai. Quando assume o governo, instaura a proibição do trabalho escravo, o que causa ódio ao dono da Mansão do Ministro do Direito. Todos os homens, mulheres e crianças estavam a partir daquele momento, livres. O povo festeja. Ele, por sua vez, entrega o cargo e vai para a ilha de Sado encontrar sua mãe.
Chegando à praia, reconhece o canto lamento da mãe. Eles finalmente se reecontram. Ela não crer ser o filho que voltou. Já sem poder enxergar, somente o amuleto da deusa a faz reconhecer a presença verdadeira do filho. A mãe, sofrendo com a ausência da filha, diz a Sushio que o reecontro somente foi possível pois ele fora capaz de cumprir os ensinamentos do pai.
Belíssimo enredo, oportuno argumento para trazer à tona temas polêmicos, como princípios éticos: cumpri-los ou esquecê-los em nome das vantagens do poder? valores familiares, fidelidade à memória dos pais.
Além, é claro, do tema de fundo - a busca arquetípica pela mãe - brilhantemente conduzido pela exímia direção de Kenji Mizoguchi.
Até mais um cine filosófico...
Jorge Leão
Terça-feira
06 de setembro de 2010

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