segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Temas recorrentes no filme "O Sétimo Selo", de Ingmar Bergman



Caros amigos da sabedoria e da arte, aí vai mais um texto sobre filosofia e cinema, baseado em um clássico do diretor sueco Ingmar Bergman, o filme "O Sétimo Selo". O interesse é alargar um debate sobre temas relacionados ao drama do sentido humano diante da morte e do próprio significado da existência. Abraços quixotescos! Jorge Leão


Temas recorrentes no filme “O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman

O cineasta sueco, Ingmar Bergman, apresenta em “O Sétimo Selo”, filme produzido em 1956 e lançado na Suécia em fevereiro de 1957, temas existenciais de profundas indagações metafísicas e religiosas.

O contexto histórico do filme é o século XIV, momento em que o sistema feudal passa por uma aguda crise, e a Europa vê-se devastada pela peste, observando impotente o silêncio da morte pairando no ar. Neste cenário lúgubre, Bergman apresenta situações conflituosas entre personagens que se colocam diante de um dos temas mais instigantes de sua obra cinematográfica, a Morte.

O filme é iniciado com uma luz repentina, que aparece sendo seguida de uma águia pairando no ar. Depois, vê-se a praia, a colina, o mar. O livro das revelações é citado, indicando o momento em que o Cordeiro abre o sétimo selo (Cf. Apocalipse 8, 1-6). Surge a figura do cavaleiro medieval (vivido pelo famoso ator sueco Max Von Sydow) e de seu escudeiro (interpretado por Gunnar Bjosrnstrand) , retornando para casa depois de guerrearem pelas Cruzadas. O cavaleiro, olhando para o céu, começa a rezar. Eis que surge um tabuleiro de xadrez, acompanhado da Morte (interpretada pelo ator e diretor Bengt Ekerot), um personagem presente como símbolo do drama existencial vivido por Antonius Block, o cavaleiro medieval.

A cena em que os dois, o cavaleiro e a Morte, surgem de perfil jogando xadrez é uma das mais conhecidas da obra cinematográfica de Ingmar Bergman. O jogo de xadrez será utilizado como pretexto para que Antonius possa retardar a Morte, enquanto tenta resolver o mais agudo de seus problemas, o conflito entre suas crenças e a existência de Deus. A tormenta de sua consciência é revelada no momento em que ele se confessa, tendo a Morte como ouvinte, mesmo sem saber que é ela quem ouve atentamente o seu drama...

Ele reconhece que o seu coração está vazio e que sua vida está fechada em suas próprias fantasias e dilemas. O conhecimento seria a única via de salvação, diante deste impasse existencial. Para ele, nem a religião, muito menos a presunção dos homens, podem acalmar suas dúvidas. Ele deseja ardentemente que Deus possa manifestar-se, já que o seu silêncio eterno lança-o num profundo oceano de abandono e descrença.

Outra reação é a do escudeiro Jons, que ilustra um ateísmo cético do início ao término do filme. A vida é por si mesma dura e seca, e tudo o que nos resta é viver, sem nenhuma garantia de que ela permaneça depois da morte. Ele se auto-define como alguém que despreza a morte, zomba de Deus, ri de si mesmo e sorri para as mulheres. “Meu mundo é meu, e só acredito em mim mesmo. Ridículo para todos, até para mim mesmo, sem sentido para o céu e indiferente para o inferno”.

Para nos reportarmos ao ambiente medieval, Bergman lança mão de algumas cenas emblemáticas, como, por exemplo, a menina que foi considerada possuída, e que deve ser queimada viva, pois o pecado que nela habitava era a causa da peste que matava a todos, segundo o padre que cumpre o ritual da execução. Antonius não se conforma com esta versão e interroga a menina sobre se viu o diabo ou não. Ela apenas geme. A pobre coitada era apenas mais uma vítima de um cenário de condenação, necessitando de bodes expiatórios. Ainda assim, ele e seu escudeiro vêem-se impotentes diante da força ideológica da igreja medieval e a menina é queimada. Outra cena marcante é a procissão de flagelação, que interrompe a dança e a festa do teatro. O conflito aqui é entre a punição, o pecado e a culpa, e a alegria e o êxtase pela vida. A supremacia de que “todos estão condenados” é evidente, restando aos pecadores pedir piedade em sua humilhação. A procissão segue com gemidos, cantos fúnebres, a cruz na frente, todos caminhando para a Morte. E também o semblante sofredor e deformado de Jesus em sua morte na cruz, surge em momentos em que a tensão psicológica de Antonius encontra-se em seu limite. São cenas ilustrativas da visão de um mundo decaído pelo pecado, tão comum no contexto medieval.

Antonius, Jons e outros acompanhantes seguem caminho para a floresta. Lá, mais uma vez o tabuleiro de xadrez entra em cena. Todos estão com medo. Temem a chegada do Juízo Final. Um homem morre com a peste, contorcendo- se de dor no chão. A Morte pergunta ao cavaleiro se não irão terminar o jogo. A rainha, uma das pedras mais importantes do xadrez, é levada pela Morte, o fim se aproxima. O saltimbanco Jof, que sempre via coisas que outros não viam, observa a cena, revelando o seu espanto à sua esposa Mia. Eles se afastam. O jogo continua...

A Morte percebe a ansiedade do cavaleiro. As pedras são derrubadas no tabuleiro, mas ela sabe a posição de cada peça. Nada escapa ao seu domínio. O xeque-mate é uma questão de mais alguns lances. A Morte promete voltar para um último e decisivo encontro. Antonius, Jons e os outros amigos voltam à casa do cavaleiro. O encontro com a esposa faz-lhe lembrar de sua vida e de seu destino. O livro do Apocalipse é mais uma vez lido. A Morte adentra o espaço, todos a vêem...

Antonius suplica pela presença de Deus: “tenha misericórdia de nós... pois somos pequenos e assustados em nossa ignorância”. Jons replica, dizendo que sua prece é vã, pois é tarde demais para ser absolvido de seus pecados. É chegado o momento do encontro de todos com a Morte. É o momento decisivo para todo ser humano...

Para elevar o sentido simbólico da relação entre Deus, homem e seu destino, Bergman utiliza-se da visão do artista para o desfecho. Ele que via coisas do “além”, pois sua sensibilidade não se delimitava aos órgãos sensoriais, observa a dança da Morte. A esperança renasce na alegria da família reunida. Jof, Mia e Mikael representam a luz que Antonius buscava, que foi levada pela Morte. Bergman aqui nos coloca a possibilidade do amor como sinal da esperança diante da certeza da Morte.

Jof, então, com os olhos fixos para o horizonte observa a dança da Morte. Ele vê todos eles, no céu tempestuoso. Os personagens seguem o ritmo da dança, com as mãos dadas, com a Morte na frente, segurando a foice e a ampulheta do tempo. Mas o músico Skat toca sua lira em uma dança solene, sendo todos levados por ela de modo implacável. Ficam a contrastar com a dança inexorável o sorriso de Mia, pegando seu filho ternamente, e Jof conduzindo sua carroça e sua família, salvos da Morte.

O filme, desse modo, apresenta questões fundamentais para uma reflexão aprofundada sobre a existência humana, seus conflitos, dúvidas, crenças e a possibilidade de encontrar um significado para a eterna busca de sentido que acompanha o ser humano em sua jornada pelo mundo, quer esteja tal busca alicerçada na procura pela existência de Deus, quer se faça presente por meio da consciência da finitude ou o de um vazio existencial que não consegue crer em nada para além desta jornada.


Jorge Leão
Professor de Filosofia do CEFET-MA, e membro do Movimento Familiar Cristão, em São Luís – MA.

Em: 03-10-08



2 comentários:

filosofia com arte disse...

Vale mesmo conferir este clássico do cinema sueco; como modo filosófico de pensar a morte, tendo o cenário medieval como contexto e pré-texto para a trama genial de Ingmar Bergman. Abraços quixotescos! Jorge Leão

Unknown disse...

So good......